sábado, 9 de abril de 2011

Silêncio




Tenho fome, fome de silêncio, ando sôfrego pela ausência de som. Até a mais simples unidade sonora me incomoda, fere meus ouvidos. Hoje, só quero a linguística do meu coração e dos meus pensamentos. Imersa ao meu silêncio, quero apenas ler meus velhos livros. Aqueles guardados nas gavetas da alma, esquecidos e empoeirados na estante mais alta da biblioteca de sentimentos. Quero folhear cada página dissertada, nelas não quero fonemas lógicos, hoje a razão não tem vez. Para hoje, quero uma surdez seletiva. Quero sentir as vogais fechadas dos sentimentos mais puros, que deixam meus pulmões, fazendo vibrar as minhas cordas vocais, com o menor esforço, sem encontrar nenhum obstáculo, por mais tônico que eles possam parecer. Quero apenas as consoantes surdas, oclusivas, que por mais desvozeadas que possam ser, rompem os lábios da tristeza, os dentes da raiva, o palato da decepção e vão contra a corrente de ar mais fria, aquecendo meus sonhos. Hoje, só hoje, quero ler minha biografia muda, calada, sentimental. Posso até gaguejar, errar os acentos, tropeçar nas pronúncias. Mas, hoje, só hoje, quero recitar o meu silêncio com a voz do coração. (AD)

*Imagem: Odilon Redon - O silêncio, 1911, óleo sobre cartão.




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